domingo, 3 de fevereiro de 2019

Uma tradição popular, a da matança do porco, que se mantém...

Na Sobreira Matança de porco com laivos de tradição A meio da tarde, um tanto a contrariar tempos antigos, que essa operação era feita de manhã bem cedo, descobrimos, recentemente, a matança de um porco na povoação da Sobreira, Oliveira de Frades. Como já vai sendo raro ver uma operação destas a mobilizar uma família, sendo que, por estes tempos, estes animais são mortos de um modo algo profissional, tal facto despertou a nossa curiosidade. Feita a paragem obrigatória, ali estivemos uns minutos em observação e diálogo. Tal como acontecia outrora, o carro de vacas serviu de ponto de apoio para a respectiva matança. Retirado o cevado de seu curral, que comera petiscos caseiros em grande parte da sua vida e isso é que lhe confere aquele sabor sem igual, foi agarrado e levado para o sítio da sua morte. Estrategicamente colocados, os membros da felizarda família distribuíram-se pela segurança das patas, da frente e de detrás, do focinho e lá se avançou para a operação final. À falta da carqueja, que era usada como material combustível para chamuscar o porco e lhe fazer desaparecer os pelos, foi o maçarico a gás que foi utilizado. Concluído esse trabalho, um outro se lhe seguiu: a lavagem a sério com as telhas e as pedras, as facas velhas a esfregarem todo o seu corpo. Branquinho, bem asseado, uma outra modernidade veio ao de cima: há anos, a força dos braços fazia com que se dependurasse, direitinho, de cabeça para baixo, o que, por estas alturas, se faz com a ajuda de um garibalde (guindaste), uma máquina elevatória. De imediato, porque de um porco nada se perde, se tratou de aparar o sangue, matéria-prima de excelência para o celebérrimo sarrabulho. Para arrefecer, antes de vir a ser desmanchado, ali se manterá por umas horas, em zona fresca e arejada. Tradição, economia e sociabilidade A matança de um porco, nas nossas aldeias, é muito mais do que esse acto em si. Fruto de um aturado trabalho para o engordar, o dia em que ele desaparece converte-se numa tradição secular que anima a vida das famílias e da comunidade local. Se agora já não há propriamente uma época própria (fruto da modernidade e das arcas frigoríficas) que era, antigamente, quase sempre por alturas do Natal, neste caso ainda se olhou para o tempo fresco. Mas é certo que a salgadeira e as panelas do lombo e dos rojões já não são tão usadas. Sendo um contributo essencial para a economia de cada casa, tem, além da função alimentar, uma função social de relevo: ter uma certa quantidade de bons porcos mostra, de certa forma, o estatuto da família que os detém. Ou seja, pelo número destes animais se avalia, um pouco, a sua abastança ou não e ainda o número de elementos que vivem sob um mesmo tecto. Com um ritual próprio, na véspera o porco já não tem direito a ser alimentado, em regra. Depois de morto, as suas iguarias são mais do que muitas: logo no dia da desmancha, as féveras na brasa são um pitéu de se lhe tirar o chapéu. Vem depois a rojoada, ou sarrabulhada, a grande festa, em que o sarrabulho, que nada tem a ver com o de Braga e arredores, o arroz de míúdos, o farto cozido, a chouriça, a morcela, os rojões, o lombo e o fígado, os bolos, as castanhas cozidas, os vinhos caseiros, fazem parte da farta mesa, com muita conversa e convívio à mistura. Tal como Virgílio Ferreira, também nós sentimos uma certa nostalgia, própria das nossas vivências da criancice e juventue, pelos“... Episódios como o vinho novo, a matança do porco (que) assinalam regressos/presentificações de um passado que marcaram o narrador e que ele recorda com profunda intensidade (em) viagens temporais”... Carlos Rodrigues, Notícias de Vouzela, Jan19

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