quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

João Ramalho, de Vouzela, marcou a história de S. Paulo, Brasil

Um lafonense nos primeiros tempos da construção do Brasil Indo de Vouzela, João Ramalho, veio a ser fundador da poderosa cidade de S. Paulo Carlos Rodrigues Numa certa altura, ninguém sabe quais as razões que levaram à sua debandada, João Ramalho arrancou de Vouzela, sua terra natal, e veio a cair no Brasil. Atracou ali para os lados de S. Vicente, perto da futura cidade e metrópole de S. Paulo de que foi um dos fundadores. Por essas terras fez vida e daquela que se escreve com um V grande, mesmo que com muitas peripécias e controvérsias pelo meio. Até hoje, a história ainda não encontrou respostas para essa sua viagem e destino, nem para a data em que tal aconteceu. Mas o certo é que os livros se encarregaram de registar o seu contributo para a construção desse imenso Brasil. Sabe-se ainda que nas primeiras décadas de 1500, logo após a chegada de Pedro Álvares Cabral, ele por ali andava e em grande azáfama, entre os índios, a estabelecer pontes, a derrubar uns muros e a construir outros. Tanto assim foi que, em 1531, quando Martim Afonso de Sousa, em Fevereiro, ali veio a iniciar funções, parando na Ilha de Cananeia, perto de S. Vicente, uma das primeiras pessoas com quem estabeleceu contactos foi com o nosso João Ramalho. Reiniciou-se então uma sua grande caminhada. Mas quem era João Ramalho? Quase sem sombra de dúvidas, nasceu em Vouzela, tendo como nome completo João Ramalho Maldonado, filho de João Maldonado e Catarina Valbode ou Valgode. Foi casado com Catarina Fernandes (das Vacas). Diz-se que dela chegou a ter um filho. Aliás, o facto de nunca dela se ter separado veio a criar-lhe altos problemas com a Igreja local e, sobretudo, com os Jesuítas que também ali se foram instalar... Atirado para um mundo diferente, com outras vivências e outros valores, cedo, porém, se adaptou e se entranhou nessa cultura local. Fruto da sua expansiva maneira de ser, tratou logo de encontrar uma família como porto de abrigo e veio a descobri-la no índio Tibiriçá, que acabou por lhe dar a sua filha Bartira (muito mais tarde, Isabel Dias), com quem passou a viver maritalmente, mas sem abandonar outras “conquistas”, tal foi a prole que deixou. A propósito deste nosso conterrâneo, Synesio Sampaio Goes Filho Martins Fontes, em “Navegantes, bandeirantes, diplomatas, S. Paulo, 1999” escreveu que “... Nos primeiros tempos da fixação dos brancos no planalto de Piratininga, estes se aproveitaram das guerras intertribais para fazer escravos. Os tupiniquins de João Ramalho, para dar o exemplo inicial, tinham frequentemente os portugueses como aliados no apresamento de índios de outras tribos. Pouco a pouco, os portugueses foram assumindo o comando das acções e estendendo suas actividades cada vez mais longe da sede... “ (p. 97). Por estas deduções, chegou a haver quem, algo impropriamente, o colocasse como um dos primeiros bandeirantes, mas esta figura histórica é um tanto mais tardia. Veio depois, mais concretamente, com a febre do ouro. Mas, em certa medida, por tudo quanto foi desbravando naquelas paragens dos arredores de S. Paulo não lhe fica mal que assim o considerem. Um notável acção política Numa longa, real e literalmente, caminhada, João Ramalho conseguiu impôr a sua força e a sua influência, nas vertentes das lutas, da diplomacia e da política. Os documentos, se são omissos quanto às suas origens e motivações na hora da partida, que pode ter sido por ambição, por acaso, ou até por questões de justiça, como o degredo, não o são, de maneira nenhuma, quanto aos seus feitos. Vivendo para os lados de S. Vicente, foi estendendo o seu domínio pelo planalto de Piratininga além, ora fundando novas terras, ora pegando noutras e nelas gravando o seu selo, como bem notou C.J. Moreira de Figueiredo, na separata da revista Beira Alta, de 1954, deixando registadas estas palavras: “ ... Bastaria a conservação do nome do povoado que fundou (Santo André da Borda do Campo) e cujo paço municipal e cujas despesas custeou de seu bolso quando foi elevada a vila, em 8 de Abril de 1553, para lhe perpetuar o nome, mas é verdade que a sua vida tem mais amplo e profundo significado. É que a personalidade de João Ramalho é como que inseparável da idiossincrasia paulista e, porventura, também da própria fundação de S. Paulo... “ Foi de tal maneira impressivo o seu trabalho, que nas comemorações do quarto centenário da “descoberta” do Brasil (1900), esta cidade, como forma de passar a ter um seu herói que, à sua maneira, fizesse esquecer a supremacia da figura de Pedro Àlvares Cabral e do Rio de Janeiro, alvitrou que essa categoria recaísse sobre os ombros do nosso ilustre lafonense que consideram a alma grande do paulismo. Para esse fim, José Luís Alves “... propôs aos membros do Instituto a realização de pesquisas em arquivos portugueses e paulistas no sentido de encontrar o testamento original de João Ramalho (... ) para mostrar a primazia de JR no episódio do respectivo “descobrimento”. Se isto pode ter algo de fantasia, não deixa, porém, de ser marcado pela importância que em S. Paulo se lhe tributa, que não se apaga com o passar dos séculos... Com o açucar como grande produto desses tempos, os engenhos iam avançando passo a passo, como o de S. Vicente em 1533. A par da economia, as suas preocupações, além da defesa, viraram-se para outras áreas, muito em especialmente a da administração, tendo sido vereador inclusivamente em algumas das terras que criou ou ajudou a erguer. Foi, assim, notável, a sua obra a todos os títulos. No mar de rosas em que por ali se foi navegando, os espinhos cravaram-se também bem fundo na vida deste nosso herói. Como estava preso pela matrimónio à sua esposa vouzelense, foi muito dificil para os Jesuítas aceitarem a mancebia, como consideravam, com Bartira. Por esse facto, fizeram-lhe a vida negra e obrigaram-no a passar por maus bocados e momentos difíceis, como o da excomunhão. É curioso mais este facto: um dos fundadores da Companhia de Jesus, com Santo Inácio de Loyola, tinha sido o Padre Simão Rodrigues de Azevedo, outro vouzelense, que chegou a ser superior na Península Ibérica e em Portugal, a quem os padres no Brasil se dirigiam com as mais variadas queixas a seu respeito. Entretanto, mais tarde, vem a cair nas graças do Padre Manuel da Nóbrega e isso reabriu-lhe muitas portas, incluindo a do casamento com Bartira( Isabel, como vimos, depois desse acto religioso). Dando algumas notas sobre o seu percurso de vida, no livro “1500 – achamento do Brasil”, referem-se vários pormenores de seu testamento que parece ser considerado bastante credível. Eis alguns tópicos: “ ... Ramalho é minha alcunha por causa da minha barba, que foi sempre ramalhuda. Maldonado é apelido de meu pai... Em Vouzela, onde nasci, despeço-me de Catarina, a minha esposa e parto para Lisboa... Abalo de Vouzela de coração apertadinho... Suponho e bem que nunca mais tornarei a ver a Catarina, pois o meu destino é o Brasil tão distante... “ Num breve resumo cronológico por nós elaborado num trabalho académico intitulado “ João Ramalho – um contributo para a mestiçagem e colonização do Brasil”, eis alguns tópicos: 1511/1513 (?) – chegada ao Brasil; 1532 – Colaboração com Martim Afonso de Sousa na fundação de S. Vicente; 1553 – Cooperação com o Padre Manuel da Nóbrega, jesuíta, na construção da povoação de S. Paulo de Piratininga; 1554 – Nomeação, após votação, para Capitão-Mor de Piratininga; 1557/1558 – Eleição para vereador da Câmara de Santo André; 1564 – Eleição e recusa do cargo de vereador em S. Paulo; 1580/1582 (?) – Possível morte. Numa vida muito recheada e muito preenchida, a figura de João Ramalho ainda hoje atrai a atenção dos historiadores e investigadores, portugueses, brasileiros e mesmo de outras nacionalidades, porque se reconhece que por onde passou se fez notado pelas mais variadas razões. Algumas delas aqui se registaram como forma de abrir o apetite pelo conhecimento mais profundo deste nosso conterrâneo, nascido em Vouzela, para terminar os seus dias lá bem longe em terras do Brasil... Carlos Rodrigues, in “Ecos da Gravia”, Dez 2020

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