sábado, 25 de abril de 2009

Um 25 que foi a 26

Perdido na imensidão moçambicana, algures entre a Beira húmida e Tete seco e a ferver de calor, não tive a sorte de ter contactado com o 25 de Abril no dia em que teve mais encanto. Um tanto ao retardador e a conta-gotas, só com ele comecei a conviver no dia seguinte: 26, obviamente. Mesmo assim, veio ter comigo mais lento e vagaroso que um pachorrento caracol. Apareceu carregado de nevoeiro, atascado da dúvidas, incerto e inseguro. Ali, onde tudo era escorregadio e a vida andava sempre amarrada com arames mais finos que linha de renda, nada podia ser visto como seguro ancoradouro. Nem o 25 de Abril, lá do "puto", que se percebia sem se perceber, de que se falava sem nada se saber, mas que se vivia porque assim tinha que ser.
Em Lisboa, os camaradas das armas, caldeavam-nas com ramos de cravos. Ali, ao lado do Zambeze, a jusante de Cabora Bassa, em cima dos carris da via-férrea Beira-Tete, não se viam nem cravos, nem espingardas mansas: eram material a sério, pronto para o que desse e viesse.
No dia 26, começámos a acreditar que algo de novo acontecera. Disseram-no os rádios de algibeira, sussurraram os comandos, cochicharam uns e outros, mas ninguém sabia nada de nada.
De repente, lembrei-me das Caldas, do passado dia 16 de Março, quando, por coincidência, me encontrava na então metrópole. Fez-se luz e um incrível " Eureka ": aquilo era mesmo uma vida nova, aquela com que tanto sonhara e que, por vias enviesadas, me chegava às mãos. Lera-o nas cartas amigas, nos jornais meio clandestinos, estilo " Independência de Águeda ", " Comércio do Funchal ", " Opinião " e, sobretudo, devorara-o, horas a fio, nas canções de Zeca Afonso, que ouvíamos a torto e a direito, com a conivência de todos e o agrado de muitos.
Descobri, então, que em Lisboa se ia escrever a história de uma outra maneira.
E chorei de alegria.
Mesmo a 26, o meu 25 de Abril de 1974 veio para ficar.
E marcou-me.
Para sempre.
Mas quero deixar de lado os excessos que teve.
Dele guardo a essência: a liberdade, a democracia, o humanismo, o rasgar de horizontes.
Dele retenho o Portugal novo que fez despontar. E o homem novo que fez em cada um de nós.

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