sábado, 16 de abril de 2016

Recordar um texto sobre a Rainha D. Amélia em Lafões, escrito em 2012, quando ontem a Confraria dos Gastrónomos de Lafões e a CM de S. Pedro do Sul evocaram estes momentos históricos

D. Amélia2 D. Amélia, uma rainha entre a perfeição e a crítica mordaz A S. Pedro do Sul veio quatro vezes a Rainha D. Amélia, sempre recebida em ambiente de festa e com honras de primeira página. Depois de ter afirmado a sua importância, como já dissemos, na edição anterior, viu mesmo que uma nossa terra tomasse o seu próprio nome: as então Caldas de Lafões, que, de uma penada, em novo registo, mudaram de designação. Num bem rasgado trabalho publicado em “Terras de Lafões, nº 1, 2010”, o Dr. António Moniz (Palme) assinala características que aqui repescamos, em traços gerais, que muito nos ajudam a compreender esta Rainha e o contexto em que viveu. Se muitas outras fontes nos foram úteis, esta tem uma notória vantagem: foi escrita por quem, na primeira pessoa, pelos seus laços familiares com uma das Casas onde foi acolhida, teve acesso privilegiado a estas deslocações a S. Pedro do Sul e Beira Alta protagonizadas pela Rainha, sobretudo ela, e mesmo pelo Rei D. Carlos e seus filhos, os Príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel. Em matéria de recolha de dados, aqui há a segura convicção de que são fidedignos, por quem os divulga e pela forma como o faz. Ao falarmos desta Rainha, nascida em solo inglês, por vicissitudes que tiveram a ver com facto de seus pais não estarem nas boas graças dos novos poderes franceses, temos de referir que a esta pátria vem a voltar e é aí que trava conhecimento directo com seu futuro marido, o então Príncipe D. Carlos, que, destinado a desposar alguém que estivesse ligado à Inglaterra ou à Alemanha, opta, dizem que por amor, ainda que a contrariar interesses estratégicos de seu país, Portugal, por querer casar com D. Maria Amélia Luísa Helena de Orleães. Conseguiu esse seu intento. No ano de 1886, o nosso penúltimo Rei, falecido tragicamente em 1908, foi de abalada oficial até França, sendo que o registo matrimonial foi lavrado no Castelo de Eu e o contrato nupcial em Paris, no cartório do Tabelião Lansquet. Se este casamento uniu as Casas reais portuguesa e francesa, esta, até por esse facto e pelo impacto que este acontecimento teve em França, haveria de ter de partir, uma vez mais, para o exílio. Assim aconteceu, sendo escolhida, de novo, a Inglaterra. Já no lugar de Rei e Rainha, D. Carlos e D. Amélia, por morte de D. Luís em 1889, passariam por tempos e episódios de bastante dureza e muita complexidade política. Foi o Ultimatum, foi um sistema de rotatividade de partidos que acabaria por minar a própria monarquia, foi a força crescente do Partido Republicano, foram as más línguas, foi todo um conjunto de factores adversos que levariam a posições extremas: por um lado, temos um Rei que gosta de caça e do mar, das aventuras, das viagens e que, no meio desses seus desejos, tem de se dedicar à governação de uma nação em evidente estado de degradação; por outro, há uma Rainha que, ou por vocação intrínseca, ou como forma de escape para muitos dissabores que viveu, ou por um e outro destes aspectos, confere um lugar de destaque a causas sociais e assistenciais ( ver “ Notícias de Lafões” de há quinze dias), à arte da pintura e do desenho, ao Museu dos Coches que também fundou, ao mesmo tempo que tinha de desempenhar o seu papel de esposa de rei e mãe de príncipes. Mas havia ainda a força corrosiva dos mexericos, essa arma que ia dando cabo daquela união, tal a violência dos argumentos invocados, tal a ferocidade com que eram tecidas essas conversas e descrições escritas, tal o impacto que poderiam vir a ter – e talvez isso tivesse acontecido – na própria vida familiar do casal real. Se, na ânsia de fazer bem, a Rainha D. Amélia enveredava por essa agitada vida social, logo os seus detractores iam buscar uma dose enorme de boatos (?), como aquele que a associou à fama de algumas traições, quer aqui por Lafões, em que se fala de alguma ligação mais atrevida com o Conselheiro José Vaz, no seu Solar de Lourosa, como nos relata Eduardo Nuno Oliveira, em “Lafões, terra e gentes, Avis-Viseu, 2008”, quer, em Lisboa, com Mouzinho de Albuquerque, que, como pedagogo, dava aulas ao príncipe herdeiro, agora no dizer do Dr. António Moniz (Palme). Com línguas tão afiadas, é certo que desses rumores se não livrou a Rainha D. Amélia, até porque não eram lá muito boas as relações, a esse nível, com o Rei, como para aí se comenta. Seja como for e descontando esta ideia de estarmos a tratar de temas que têm tudo para alimentar revistas cor-de-rosa e nunca para servir de lastro a um jornal como este “NL”, o certo é que se sabe que D. Amélia e os Príncipes, mais vezes, e D. Carlos, com menos frequência, estiveram em S. Pedro do Sul em várias ocasiões. As casas dos Marqueses de Reriz, da Baronesa de Palme e de Forno Telheiro foram, com essas altas visitas, convertidas em Paços Reais. Em cada uma dessas vindas, era grande a azáfama em receber bem e com estrondo quem aqui aparecia, deixando para trás a cidade de Lisboa, a capital das decisões e de todos os ataques que atrás acabámos por descrever. O campo era, assim, o palco para se desviarem desse ambiente e esquecer tamanhas agruras. E S. Pedro do Sul tinha, nessa linha de pensamento, a magia das águas quentes das Termas e a arte gastronómica, a que se associava também a tauromaquia da Família Casimiro. Nas bocas do mundo andaram alguns jantares, como aquele que teve “ementa” francesa, a 5 de Janeiro de 1895, nas instalações dos Marqueses de Reriz, um outro dado pelo Visconde de Mira Vouga, na sua Casa, que foi, anos mais tarde, o Colégio de S. Tomás de Aquino, sem esquecer as idas a Lourosa, talvez algo mais às escondidas, para estar com o Conselheiro José Vaz. Se até os arreios eram motivo de interesse especial, pessoalizando-os, para serem usados nos cavalos em que faziam equitação os Príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel, diz-nos o Dr. António Moniz (Palme) que ficou célebre, e guardado como relíquia preciosa, um dos penicos usados pela Rainha numa dessas estadias. Cientes de que cada uma dessas peças era um bocadinho da história real portuguesa, percebe-se, à vista desarmada, que esse cuidado em as preservar tenha sido uma constante. Repegando nas corridas tauromáquicas, fazemo-lo apenas para deixar registado alguns de seus nomes: as lides a cavalo estiveram ao cuidado de Manuel Casimiro Almeida e Adelino Raposo; no toureio apeado, intervieram Rafael Peixinho, Sebastião Silva (Chispa), José dos Santos e Saldanha. Entre os forcados amadores, dois eram oriundos de S. Pedro do Sul – Manuel Badalo e José Vinagre. Com estas viagens, a Rainha D. Amélia associou-se, para sempre, à nossa história local. Mas, a um nível mais alto, há a destacar outros importantes passos de sua atribulada vida, que, por exemplo, mesmo por entre desgostos vários, teve ainda vontade e força para colaborar com os Aliados na 2ª Grande Guerra, nas fileiras da Cruz Vermelha, o que lhe valeu ter recebido a distinção “Royal Red Cross”, atribuída pelo Rei de Inglaterra, D. Jorge V. Repousando no Panteão de S. Vicente desde 1951, S. Pedro do Sul não a pode esquecer. Porque a história não se apaga, nem se deve deixar de lado. Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Lafões”, 2012

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