quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Covas do Monte, uma terra do concelho de S. Pedro do Sul em que são rainhas as cabras e rei o seu restaurante

Pelas serras em busca de iniciativas novas Há dias, andámos pela Pena e por lá vimos como se vai dando vida a uma terra que chegou quase a ter a pior das sentenças: ficar vazia de gente e, por isso, morrer aos poucos. Felizmente que esse mau presságio está a ser contrariado em cada dia que passa. Deixámo-la ficar para trás. Mas antes olhámos para uma mensagem escrita em lousa e aqui a estampamos, antes de seguirmos viagem: “ Vale a pena vir à Pena/E ficar com a saudade/Escrever-lhe uma quadra/Dizer adeus à cidade” – A. Almeida. Verdade. Valeu a pena. Mas o “Notícias de Lafões” pede-nos que não fiquemos por aqui. Manda-nos avançar e é isso que vamos fazer. Por sinal, não sairemos da antiga freguesia de Covas do Rio, hoje uma União com S. Martinho das Moitas, uma enorme asneira que, um dia, aqui e noutros lados, foi posta em marcha. Má hora foi essa, repetimo-lo vezes sem conta. Estas são terras pequenas, são, de certeza. Mas têm a sua identidade e os caminhos para se ir para qualquer lado não são dos mais fáceis. No território, agora abrangido pelo novo modelo de divisão administrativa, as distâncias são enormes e a autarquia de proximidade perdeu muito de seu interesse e encanto. Não queremos com isto criticar ninguém que aqui manda, apenas constatamos um facto. Mais nada. E já não é pouco. Num buraco da Serra, mãe de todas as riquezas, desde a água às pastagens, encontra-se a aldeia de Covas do Monte. O nome diz tudo, tal como em Covas do Rio. Encravada lá no fundo, por entre penhascos com cerca de 1000 metros de altitude, a povoação, onde pernoitam cerca de 2500 caprinos e bovinos e poucas dezenas de pessoas, fica a 450 metros acima do nível do mar, este lá tão longe e tão perto ao mesmo tempo. Certo, certo é que dali é impossível enxergá-lo, por mais que se estiquem os pescoços. Falámos em pernoitar e não o fizemos por acaso. Tem esta frase toda a intencionalidade possível. Aquela multidão de cabras, muitas cabras e algumas ovelhas, a que se juntam também algumas vacas, só desce aos currais para dormir, que o resto de sua vida é feito em pleno monte à cata de alimentos naturais, daqueles que ali nascem e crescem apenas para sustentar estes animais. Não se estranha por isso que a sua carne e o seu leite tragam, em si, toda a pureza do mundo. Por outro lado, de salto em salto, a gordura também não pesa no corpo destas reses. Logo, de seu corpo só sai o que é bom, agradável ao gosto e ao paladar e benéfico para a saúde, que ali não há pitada de adubos nem pesticidas. Foi com base nesta riqueza natural que surgiu uma das ideias e iniciativas que aqui nos trouxe: o seu Restaurante, de que falaremos daqui a pouco. Antes, porém, digamos que os “pobreiros”, à vez, vão cuidando desta tarefa e responsabilidade diária, levando pela Serra acima esses milhares de cabras e ovelhas. Livres como passarinhos, só há que as não deixar fugir para locais perigosos, sendo que a erva tenra, a carqueija e outros pastos estão, em todo o lado, à mão de semear, antes, à ponta da língua para os tragar. O pior é quando os incêndios dão cabo disto tudo e então é que a porca torce o rabo. Manhã cedinho, é a saída. Pela tardinha, em dias muito mais curtos de Inverno, quase com computadores na cabeça, logo seguem, como relógios suíços, pelos carreiros abaixo, direitinhas, cada uma delas, aos seus currais. Sem atropelos, nem buzinadelas, o seu trinar típico anda sempre no mesmo tom. Assim procedessem os homens e o mundo estaria muito melhor!... Dos animais ao restaurante Este enorme rebanho de 2500 animais tem a prioridade absoluta. Deixá-los ir no seu passinho certeiro é o que se pede a cada um de nós. Com a sentença escrita logo à nascença, o seu destino está traçado: dar leite e carne para satisfação dos seres humanos. Sabendo que assim é, em modo de produção e comercialização de proximidade, valorizando as suas potencialidades e saberes, acumulados de geração em geração pelos séculos fora (com o seu isolamento até há décadas a ser um mal e um bem, simultaneamente, um mal porque travou estas terras do desenvolvimento sustentado a que têm direito, um bem na medida em que fez cimentar uma identidade que, ainda hoje e por muitos e bons anos, perdura e é a sua indestrutível imagem de marca), lá veio a nascer o Restaurante típico, num sábio aproveitamento da antiga escola primária, fruto da constituição da Associação dos Amigos de Covas do Monte. Bom passo foi este. Acessível, sobretudo, por marcação, ali se degustam os produtos locais em ementas tradicionais que estão inscritas no livro do conhecimento local e que se não têm perdido. Dotando esta aldeia de um particular carinho, muitos são os visitantes e viandantes que ali têm matado a fome e tomado contacto com boas preciosidades à mesa. Entretanto, outros projectos aqui têm sido semeados, como a criação da Eco-Aldeia, no âmbito do “Criar Raízes” que vingou durante alguns anos no concelho de S. Pedro do Sul, em que se pretendeu dar-lhe um estatuto de coisa rara como, na realidade, é, sempre em diálogo com as populações locais. Foram estas também, que, ao som dos chocalhos, juntaram a sua voz para indicar as obras individuais e colectivas que, durante dez dias, em 2013, cem voluntários, dinamizados pela área da Arquitectura da Universidade Católica – Pólo de Viseu, ali andaram a erguer, em termos da equipa “Terra Amada”. Acrescente-se que as Autarquias e o Estado, em geral, também colaboraram e cerca de 50 empresas particulares ajudaram a pôr de pé tudo quanto se projectou, respondendo a anseios e necessidades ali bem sentidos. Covas do Monte, povo rural, foi conquistando tudo a pulso, desde a estrada à água canalizada. Por esse facto, ali vivem o seu dia a dia umas dezenas de estóicos habitantes, que não deixam a sua terra por nada deste mundo. Bem haja por esse sentimento de pertença e orgulho em viverem tão sólida ligação com suas origens. Só assim se mantém coeso e solidário o nosso território nacional, sendo que lá por Lisboa estas questões são esquecidas demais. Perigosamente demais. Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Lafões”, 24 de Novembro de 2016

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