sexta-feira, 1 de maio de 2020

Gripe espanhola teve o Dr. Ricardo Jorge a liderar o combate Há mais de cem anos, 1918/19, ceifou milhões de vítimas Num tempo em que somos assolados por uma perigosa e mortífera pandemia, olhamos para trás em busca da acção de pessoas que nos dizem alguma coisa. Pelos piores motivos, fomos, de novo, redescobrir a figura marcante, nisto das doenças infecciosas, do Dr. Ricardo Jorge, que, recordamos, tem as suas raízes em Vilharigues, Vouzela. Se já tinha sido determinante no combate à peste bubónica que, em 1899, dizimou centenas de pessoas na cidade do Porto, eis que os seus préstimos e poderoso conhecimento são aproveitados, a nível nacional, nos anos de 1918 e 1919, quando a Gripe Espanhola, ou pneumónica, se espalhou por Portugal, para lhe fazer frente. Ocupando o cargo de Director Geral da Saúde de então, veio a ser nomeado pelo governo Comissário Geral, com plenos poderes, para o combate que foi preciso travar. Sendo personalidade destacada na medicina e nestes domínios epidemiológicos, dentro e fora de fronteiras, a sua escolha foi vista como óbvia e necessária para as duras tarefas e medidas que foi necessário pôr em prática efectiva e real. Antes de avançarmos para o que se conseguiu realizar nesses negros anos, entendemos fazer uma espécie de enquadramento dos tempos em que esta gripe levou os seus destroços pelo mundo fora. Convém assinalarmos que se vivia a parte final da 1ª Grande Guerra (1914/18), com o seu devastador cortejo de mortes, destroços e ruínas por todo o lado. No seu rasto, ficaram milhões de mortos e feridos, bastando apenas lembrar, para as mal preparadas tropas portuguesas, o que aconteceu a 9 de Abril em La Lys, França. Ainda a recuperação não tenha sido iniciada e já a pneumónica nos batia à porta, vinda de Espanha e passando a nossa fronteira ali pelos lados de Badajoz e Olivença, ela que, ao que se regista, tivera origem na Ásia, talvez até na China, tal como hoje sucede com a Covid 19. Para esta sua progressão para terras lusas, estiveram os nossos migrantes sazonais que, em terras espanholas, tinham trabalhado na agricultura, tendo regesssado a casa, findas essas tarefas. Consigo trouxeram, para azar dos nossos compatriotas desses dias, o vírus mortal. Diz-se que as primeiras vítimas aconteceram em Vila Viçosa. Atacando por fases, a primeira e mais benigna deu-se de Maio até fins de Agosto de 2018; a partir de Setembro, é que foi o pior com a mais mortífera das “ondas”, de uma extrema gravidade; de Fevereiro a Maio de 2019, terceira vaga, mas mais ligeira. Alega Álvaro Sequeira (A pneumónica) que, como causas para a sua terrível disseminação no nosso país, esteve o envio de soldados para suas casas, a mobilidade interna para as vindimas e outras fainas, as feiras e as romarias. Em favor desta ideia, dá-se nota que os meses mais fortes em mortes foram os de Setembro e seguintes, época desses fenómenos sociais. Em termos gerais, fala-se em mais de 40 milhões de mortos em todo o mundo, bem mais do que tinha sido verificado em quatro anos de guerra mundial. Por sua vez, José Manuel Sobral e Maria Luísa Lima (LerHistória, 4036) referem que Portugal teve 135257 mortes e que no distrito de Viseu se verificaram 11 280 vítimas mortais. Havia no nosso país, por essa altura, um número de 2580 médicos, um para 2338 habitantes, e de 1577 farmácias, uma para 3825 pessoas. Ao todo, existiam 251 hospitais, sendo 241 das Misericórdias. Serviço Nacional de Saúde, nem pensar, assim como as condições de habitabilidade e higiene eram pouco mais do que rudimentares. O papel do estado também não era nada forte. Os contrastes e as assimetrias eram abismais. Sobravam as associações de assistência, os voluntários, a Igreja e pouco mais. Quanto à imprensa, esta referia-se à gripe espanhola como um perigo aterrador. O que fez o Dr. Ricardo Jorge Convém que se saiba que, no Porto, sua terra natal, tal como já aqui abordámos, a sua acção, em 1899, levou a complicações e ataques de toda a ordem, desde tumultos a tentativas de assaltos a sua casa. Escusado será dizer-se que, em 1918/19, a sua determinação não esmoreceu um milímetro. Dotado de competências sem limites, não hesitou em pôr em prática o que lhe ia na alma e na cabeça, fruto das experiências vividas e dos conhecimntos adquiridos. Entre as várias medidas que tomou (coincidência com os tristes dias de agora), registamos estas: 1- Obrigação de todos os médicos reportarem e enviarem à DGS todos os casos detectados; 2 – Controlo de migrações, isto é, de movimentações internas de populações; 3 – Construção de hospitais improvisados; 4 – Abastecimento de farmácias com quinino, café, óleo canforado, etc; 5 – Organização dos concelhos em áreas médico-farmacêuticas, com mobilização de médicos, mesmo os reformados, e até alunos do último ano de medicina; 6 – Apelos à população para a constituição de Comissões de Socorro. A par de tudo isto, incidência nas questões da higiene e saúde públicas e na proibição de beijos, apertos de mão e outros contactos entre pessoas. Houve ainda outras determinações, como a requisição de espaços públicos para acolher doentes, a necessidade de se ficar em casa, de se terem cuidados especiais a nível alimentar, à base de caldos de galinha, água com açucar, sumos de limão e laranja. Em receitas médicas, para febre, quinino e, nos casos graves, injecções com soluções arsénicas, com cafeína e adrenalina. Entretanto, surgiram os anúncios ( isto repete-se) a produtos para curas milagrosas e a especulação de toda a ordem. Ao estado, coube mobilizar um crédito especial de 300 contos, para as primeiras impressões. Em fim de texto, digamos ainda que, em Junho de 1918, o tifo atacara em Espinho e no Porto, onde provocou mais de 2000 mortos. Notamos ainda que, numa análise aos censos da época, por esta nossa região, não se constatou grande quebra demográfica, sendo que, em 1920, freguesia a freguesia o número de residentes não baixou por aí além e até chegou aumentar em muitos casos. Ou a pneumónica aqui poupou vidas, ou a recuperação populacional foi rápida. Ficam as dúvidas, à falta de documentação específica. Quisemos, com este contributo, acrescentar dados àquilo que, há cerca de um mês, aqui colocámos sobre o Dr. Ricardo Jorge, um nome que está sempre presente, por intermédio do “seu” Instituto, a entidade oficial que tutela todos os testes e operações afins. Por tudo isto, estas referências a quem teve o Pai nascido em Vilharigues são mais do que merecidas. Elas aqui ficam... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 30 Abr2020

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