sábado, 26 de março de 2016

Continuar a lutar pela reabertura dos Tribunais

Reabertura dos Tribunais é exigência dos povos Os problemas da Justiça e a sua ligação com as comarcas inserem-se numa discussão que parece nunca ter fim. Quando agora pensamos, pelo que nos dizem, que estamos perante a boa novidade da possível reabertura dos nossos Tribunais, vamos tentar analisar este tema à luz das considerações que se filiam nas razões do acesso à justiça, no desenvolvimento de nossas comunidades, na sua vertente simbólica e como imagem de marca de cada concelho. Por não ser matéria da nossa “conta”, fugimos dos códigos diversos, da organização em si, da formação, da existência de pessoal ou não e outros factores que, por agora, preferimos que fiquem de fora deste trabalho. Enquanto territórios despovoados, agora chamados de baixa densidade, as políticas públicas são por nós vistas como meios que ora contribuem positivamente para o seu desenvolvimento, ora o fazem atenuar, ou mesmo anular. Esta é uma lógica que nos faz enveredar pela investigação, procurando perceber quem é quem neste contexto e o que foi feito em cada época. Assim, falarmos de Justiça faz sempre todo o sentido e agora tanto como ontem, ou ainda mais: há anos, batemo-nos fortemente pela manutenção das Comarcas e Tribunais como os víamos desde há décadas, depois dos nossos antepassados muito terem lutado por isso. Veio a Troika e o célebre Memorando de Entendimento de 17 de Maio de 2011 e tudo começou a ir por água abaixo. Com protestos, com manifestações, com contactos autárquicos ao mais alto nível, não fomos capazes de travar esse apetite devorador e os resultados foram desastrosos, para o sector em causa e para a economia de nossas localidades. Com as decisões que se seguiram a esse Memorando, que foi objecto de 11 revisões regulares, atiraram-se às malvas os princípios da cidadania e da confiança, do acesso capaz à justiça e de todos os equilíbrios que nunca deveriam ter sido postos em causa. Mas foram-no. Em 2014, a Coordenadora Executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Conceição Gomes, já alertava então para o facto de se estar a destruir a qualidade da democracia e da cidadania com o encerramento desses serviços públicos nas localidades onde tal se veio a concretizar, incluindo Oliveira de Frades e Vouzela. Vendo com muito peso na busca de justiça a questão das distâncias geográficas, tese que aceitamos, impede-se assim o acesso aos Tribunais, accrescentando que se corta o desenvolvimento social e económico das terras em causa. Por sua vez, Susana Santos, em comentários à aplicação do Memorando de Entendimento, escreveu na Revista de Sociologia, em “ Novas Reformas, velhos debates...”, que a então reorganização judiciária se pautou pelo vector económico em detrimento de uma boa justiça, não se olhando ainda para as obrigações do Estado perante os seus terriotórios e coesão social. Tendo como pano do fundo a crise económica e a intervenção externa, pedida em 2011, não se acautelou a vida concreta das pessoas, vendo-se os Tribunais apenas como uma mera fonte de receita, o que veio a impôr, em contenção financeira, os ditos cortes cegos na Justiça e noutros sectores. Curiosamente, já em 1992, Francisco Ramada Curto, em “ A dimensão social da Justiça”, expusera claramente que este mecanismo do acesso a uma Justiça global, por parte de todos os cidadãos, é a forma de garantia de que todos os demais direitos humanos não são postos de lado. Ir por caminhos diferentes Depois de todas estas considerações, e muitas mais poderiam ser aqui trazidas, vislumbram-se agora bons sinais de mudança positiva, defendendo-se que é preciso inverter o caminho que foi trilhado nos últimos anos, em palavras da própria Ministra da Justiça, que condenou, com veemência, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a reforma que tinha sido colocada no terreno, deixando a ideia de que iria rever os 20 tribunais que tinham sido encerrados e as 27 Secções de Proximidade que se seguiram em alguns municípios, como os de Oliveira de Frades e Vouzela, não obstante terem sido mostradas provas, pelos Autarcas, que essa era uma asneira de todo o tamanho e honra lhes seja feita. Sabendo que os poderes locais muito fizeram pela defesa de seus Tribunais, a nossa convicção vai ainda mais longe: esta nova postura, esta vontade de vir a repor a Justiça, onde ela deve estar e de onde nunca deveria ter saído, têm a sua génese maior na força dos povos que nunca calaram a sua indignação. Em algumas situações por nós vividas, podemos testemunhar quantos transtornos recaíam sobre populações indefesas e altamente vulneráveis que se viam incapazes de ir, por exemplo, de Ribeiradio e de Alcofra a Viseu para tratar das questões de direito que viam ser-lhes sonegadas, porque tais deslocações eram incomportáveis e o sistema de transportes públicos é, por estas bandas, altamente deficiente. Num outro patamar, era uma dor de alma ir aos nossos Tribunais e deparar-nos com um funcionário e um montão de prateleiras vazias, em desperdício atroz de recursos e meios em pessoas e de outra índole, incluindo em termos de instalações, sendo que, no nosso caso, os Palácios da Justiça são de construção bastante recente, num e noutro dos dois concelhos que citámos. Tendo lido que a Ministra pretende revisitar comarca a comarca, município a município, para travar os “efeitos perversos” que se criaram, pondo em execução um outro possível figurino que é o de levar os serviços da Justiça a deslocarem-se em certos dias a cada espaço, eis que vislumbramos uma luz ao fundo do túnel. Sempre nos pareceu que esta via, razoavelmente aceitável, tinha pés para andar e, se no momento em que foram encerrados ou convertidos em Secções de Proximidade os anteriores Tribunais, de onde saíram, em camiões militares, toneladas de papéis e móveis, tendo ido atrás disto tudo o próprio pessoal, esse tivesse sido o modelo adoptado, talvez nada do que aconteceu de mau tivesse surgido. Ou, no mínimo, bem menos. Este é um tempo novo. Agora, com tais determinações oficiais, pede-se a todos nós, autarcas, comunicação social, entidades diversas e todas as forças vivas que se venham a recuperar, como é de sagrada justiça, os serviços que, infelizmente, há tempos, viemos a perder. Só em esforço colectivo é que conseguiremos (re)alcançar aquilo que aos nossos antepassados tanto custou a conquistar. Assim o exigem os povos que têm direito a uma Justiça próxima e eficiente ao seu alcance nas terras que habitam. Para o “Notícias de Vouzela”, esta é uma questão de honra, de dignidade e de justiça que, como jornal, nunca poderemos esquecer. Por isso, esta é, claramente, uma de nossas lutas, tal como ontem e como mostrámos há dias. Carlos Rodrigues, “Notícias de Vouzela”, 2016, Março, 24

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