sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Autor vouzelense com peças de teatro...

O teatro como forma de expressar sentimentos “ A inauguração”, uma peça de Luís Valgode de Moraes Carvalho CR Com raízes em Vouzela, Luís Valgode de Moraes Carvalho, entre muitas facetas de sua vida, como a de militar, dedicou-se também à escrita de peças teatrais. Uma delas, “ O tributo das donzelas(1962)” deu brado nesta vila e ficou para sempre na memória daqueles que a levaram a palco e de quem a viu e escutou. Numa obra diversificada, anotam-se ainda “A moira do Castelo”, “O sofá encarnado”, os “Botões brancos” e “A inauguração” de que nos ocuparemos já de seguida. Tendo iniciado este seu contributo literário em 1962, passou por África, concretamente por Moçambique, ao serviço das forças armadas, mas também não deixou de viajar pela Europa e até pela Ásia. Na contextualização da citada obra. “ A inauguração”, dela escreve no livro em questão Serafim Lobo, seu ex-colega de Liceu, que se trata da descrição de “... um ambiente rústico, com formal equilíbrio... “, numa “... intriga, bem debuxada, de linhas sóbrias, depois de aludir ao comércio interdito e vincar o triunfo amoral de um emigrante, que um remorso tardio calcina e mata, tem o desfecho próprio... “. Foi mesmo este tema da emigração que nos abriu o apetite para este comentário jornalístico. Como que a dar o mote para o que se iria passar nesta peça de teatro, Luís Valgode de Moraes Carvalho diz-nos que tudo nasceu a partir de uma sua caçada na Serra de Monforte, à beira da Espanha, e da pernoita num lugarejo que mostrava ter pouco de tudo. Esse foi o rastilho para o que surgiu em papel. Entre a dúzia de personagens, retratemos o Manuel da Eira, o brasileiro, feito Comendador, em “vidas” que se desenrolaram em inícios do século XX. Numa altura, então, em que a emigração para o Brasil era uma constante, levando milhares de portugueses para aquelas terras, fácil lhe foi caracterizar o papel deste cidadão que tinha ido e vindo, mais tarde, como é óbvio, com um razoável pé de meia. Foi com estes cobres que ali se tornou famoso, isto em teatro, bem se vê. Constatado o facto de por aquelas zonas ter havido o costume de se desfazerem dos mortos de qualquer maneira, levando-os para longe, cemitério da vila, logo ali a malta da aldeia tratou de pedir ao brasileiro que os ajudasse a construir uma igreja e mesmo um cemitério. Conhecendo-o como alguém que empresta dinheiro, mas a altos juros, descobre-se que nele há massa e em barda, razão pela qual estes pedidos faziam todo o sentido... Entra aqui o Sousa que grita para os colegas de conversa: “ O brasileiro vem aí. Já tem autorização para se construir o cemitério. O Governador Civil até lhe disse que era um lindo gesto pagar todas as despesas... “. E assim o fez: “... Deu um ror de dinheiro àquela gente toda e agora é o Senhor Comendador... “ Por entre favores e negociatas, incluindo a de abrir a porta para outros emigrantes a troco de dinheiro, o Comendador chega a ser apelidado de interesseiro e tudo isto em zona de contrabandistas. Com os trabalhos em plena marcha, adoentado, o brasileiro desabafa o seu sentimento de que, mesmo tendo pago tudo aquilo, não querer ser o primeiro a fazer a respectiva inauguração como utente. A páginas tantas, em horas de aflição, fala nos tormentos que viveu, porque “... Tive de ir trabalhar para o Amazonas, as piores terras do Brasil, para as florestas, para a selva, onde se tira a borracha das árvores, onde só há febres e muito trabalho... “. Nota: este relato encaixa que nem uma luva no livro de contos e memórias “ A selva” de Ferreira de Castro, o que torna mais verosímil todo o enredo da peça e a maestria do seu autor, o nosso conterrâneo de Vouzela. Para se inaugurar o cemitério, andou o brasileiro às voltas para ver se se arranjava um defunto. Não tendo este aparecido, simulou-se um enterro com uma urna cheia de pedras. O certo é que, para mal dos seus pecados, brevemente o Comendador vem a falecer e vai ser dos primeiros a ir para a “casa” que ajudou a construir, num azar dos azares. Com este poder imaginativo, este nosso autor mostra-nos a glória e a queda de um emigrante que procurou fazer vida lá longe, em Manaus e arredores. Triste sina essa, de ontem e de hoje. O Tributo das Donzelas Nos jornais “Notícias de Vouzela” dos dias 16 de Setembro e 1 de Outubro de 1962 fazia-se referência a esta peça, que “Constituiu assinalável êxito”, com um enorme “brilhantismo atingido por esta realização simples de amadores, ensaiada em poucas semanas e apresentada, ante grande expectativa, no sábado, 22 de Setembro”, no cenário natural do Jardim D. Duarte de Almeida. Tendo nela participado um vasto elenco, como se pode ver na fotografia, algumas das pessoas que nela intervieram ainda estão connosco, como o Alberto Correia, o Manuel Tavares e tantos outros e outras, tudo isto fruto da imaginação e criatividade de Luís Valgode de Moraes Carvalho, que aqui se recorda, uma vez mais... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Fev 2021

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