domingo, 14 de fevereiro de 2021

O ciclone de há 80 anos...

Do ciclone de 1941 a outras tragédias A natureza, de vez em quando, zanga-se connosco Nas nossas memórias recentes, os incêndios de 2017 e os estragos provocados pelas tempestades Elsa e Fabien, sobretudo estas, são uma pesada carga que custa a sair das mentes de todos nós. Se, porém, vasculharmos mais para trás, por certo, vamos descobrir e reviver outros acontecimentos que também deixaram fortes e duras marcas. Por exemplo, há oitenta anos, na tarde e noite dos dias 15 para 16 de Fevereiro, o ciclone de 1941 foi um desses momentos vividos com angústia e um balanço de mortes, feridos e muitos estragos um pouco por todo o país, ainda que com variações regionais, que nunca mais se esquecem. No meio das desgraças desse vendaval, um registo se colou para sempre: em Oliveira de Frades, alguém que nesse dia viu a luz do dia ficou conhecido pelo “Ciclone”, alcunha bem mais usada que o seu nome próprio. Comerciante em Lisboa na zona de Santa Apolónia, algumas vezes por aí o encontrámos, o que prova a veracidade desta coincidência assim aproveitada localmente, pelo que na sua terra natal praticamente ninguém desconhecia esse facto. Feita esta referência, vamos agora passar a descrever o que então aconteceu. Para esse efeito, socorremo-nos do testemunho veiculado pelo jornal “Notícias de Vouzela” de 1 de Março de 1941”. Disse-se então o seguinte, numa descrição que mostrou bem o forte impacto desse fenómeno natural: “ O dia 15 de Fevereiro findo foi, entre nós, de inverno rigoroso, nada fazendo, no entanto, prever o que se iria passar no começo da noite. Cerca das 18 horas, o vento começou a soprar com mais violência. Das 19 para as 20 horas, o vendaval atingiu o seu auge, assim se mantendo algumas horas, horas que foram de angústia e pavor para todos os que sentiam o destelhar de seus prédios e o quebrar dos vidros das janelas e das clarabóias, com uma intensidade tal que se receava pela segurança dos próprios prédios... Ao amanhecer do dia 16, deu-se a romagem aos campos sendo desolador o estado em que se encontravam. Oliveiras, árvores de fruto e ornamentais, os pinheiros estavam derrubados e partidos numa quantidade extraordinária ( e ainda... ) destruições e desabamentos de muros, alpendres, etc... “ Afirmava-se, nesse artigo, que foram bem aceites as medidas governamentais tomadas de imediato, tais como a proibição de alteração do preço de materiais de construção, bens necessários para as reparações que se impunham, e ainda a tentativa de normalização das comunicações, a dispensa de certas licenças e a abertura de um crédito de 20 000 000$00 (vinte milhões de escudos ou vinte mil contos, valores à època). Foi tal o impacto desse ventania e temporal que, em sessão da Assembleia Nacional do dia 21 de Fevereiro desse mesmo ano, o Deputado Botto de Carvalho fez uma declaração a esse propósito em que destacou o trágico ciclone que “... varreu o território português de sul a norte ... (numa) imensa devastação... A ruína é enorme ... tanto no prejuízo sofrido pelo Estado como no prejuízo sofrido pelos particulares... “ Em dois jornais da capital, as manchetes e os títulos reflectiam bem o que sucedeu nessa noite. Em “ O século”, titulava-se “ Lisboa foi assaltada no dia de ontem por um terrível ciclone” e o “DL” assim se referia a este acontecimento: “ A fúria dos elementos – Lisboa açoitada por um vento ciclónico de extraordinária violência que derrubou chaminés, telhados e árvores, chegando a atirar, nas ruas, os transeuntes ao chão”. Segundo as fontes da época, esta forte tempestade de Inverno teve a sua origem numa depressão que partiu do oeste da Irlanda vindo depois a afectar, entre outras regiões, a Península Ibérica, incluindo Portugal como se está a descrever. Isso provocou fortíssimas velocidades do vento e altas ondulações no nosso litoral do Minho ao Algarve. Num estudo efectuado por Adélia Nunes, João Pinho e Nuno Ganho, publicado nos Cadernos de Geografia, nºs 30/31, da FL da Universidade de Coimbra, 2011/2012, fala-se em ventos que atingiram em Portimão e Tavira cerca de 150 km/hora, em Coimbra – 133 km/hora, em Lisboa, 129 e, no Porto, Serra do Pilar, chegou-se aos 167km/hora e mais se não soube porque o anemómetro se partiu com tanta fúria da ventania, o que impossibilitou a descoberta de, talvez, maiores valores. Acrescentam aqueles autores que se verificou “ Um elevado número de vítimas mortais (outras fontes aludem a cerca de 100), milhares de árvores arrancadas, inúmeras estradas intransitáveis, casas destelhadas, povoações isoladas, rede eléctrica destruída e ligações telegráficas e telefónicas interrompidas. Os prejuízos foram, então, avaliados em 1 milhão de contos... “ Em concreto, alega-se que, na cidade de Coimbra, foram avultadas as perdas no edifício do Hospital da Universidade e, em Lisboa, chegou a desmoronar-se a muralha marginal de ligação entre Alcântara e a Torre de Belém. Em termos pontuais, citam-se o desaparecimento de muitas embarcações e várias inundações, estas mais nuns locais que noutros, sendo que, em alguns espaços, a chuva não apareceu com tanta força quanto o vento. Entre as acções levadas a cabo pelo Governo, ressalta-se o facto de ter sido constituída uma Comissão Nacional de Socorros às Vítimas do Ciclone sob a alçada do Subsecretário de Assistência Social e, na esfera civil, foi lançada uma campanha de angariação de fundos patrocinada pela Emissora Nacional e pelo jornal Diário de Notícias. Já agora, em termos de contextualização, pode dizer-se que, no século XIX, se assistiu ao aparecimento de 148 grandes tempestades e que, bem próximo destes nossos tempos, os incêndios de Outubro de 2017 podem ter estado relacionados com o furacão Ophelia. Por outro lado, os acontecimentos já citados de Dezembro de 2019, sobretudo por via dos fenómenos Elsa e Fabien, no dia 19, provocaram fortes ventanias e cheias, com os rios a transbordar, as pontes a ruir, os muros ribeirinhos a caírem, as terras a desabarem e a serem arrastadas com graves prejuízos e mesmo mortes, como as de Castro Daire. Para acorrer às necessidades mais imediatas, nomeadamente o “ Restabelecimento do Potencial Produtivo”, foi então lançado o Despacho nº 1117-B/2020, reconhecendo situações climáticas adversas, e delimitadas as zonas a apoiar. Nesse documento, anotam-se as rajadas de vento em Pampilhosa da Serra com uma velocidade de 150km/hora e, na Guarda, 137. Muitos outros casos poderiam ser aqui trazidos, mas as referências às cheias na área de Lisboa de 1967, com centenas de mortos e desaparecidos, e a recente tempestade Leslie, que assolou, essencialmente, parte do litoral da região Centro, são a prova de que a natureza nem sempre mostra o ar de sua graça, bem pelo contrário: enfurece-se forte e feio. E com as alterações climáticas que se prevêem, se a humanidade não agir para as travar a fundo, mais fenómenos destes podem surgir por aqui e por todos os outros lados, havendo pontos do globo onde esses temores são bem maiores que noutros. Mas nada, nem ninguém, pode dizer que está salvo... Por último, deixamos aqui uma fonte a ler para melhor se perceberem as situações de fuga das margens do Rio Vouga, com um pequeno senão: o trabalho de Margarida Rosa Medeiros Guedes, da Universidade de Aveiro, publicado em 2006, com o título de “ Contribuição para a avaliação, previsão e prevenção do regime de cheias na Bacia do Vouga”, foi escrito antes da construção da Barragem de Ribeiradio e a jusante este facto pode fazer toda a diferença, alterando muitas das considerações e conclusões ali apresentadas. Recordámos, em princípio, o Ciclone de 1941, oitenta anos depois. O resto veio por acréscimo... Carlos Rodrigues, in “Ecos da Gravia”, Fev 2021

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