quinta-feira, 5 de março de 2009

Inverno tardio

Cá em casa, já as roupas de inverno tinham caminhado para o sótão, quando, agora, esta pesada estação do ano se lembrou de reaparecer, ventanosa, áspera, tão dura como os tempos idos de há dias. Lembrei-me, então, de um velho ditado, aqui meio improvisado: "não corras antecipadamente demais, que não sabes o que vem aí"... Sei que assim não falou ningúem que tenha feito escola popular, mas tem de haver sempre uma primeira vez. Para este "provérbio",
esse tempo chegou agora mesmo.
Com o céu revoltado, com sopros de meter medo, com árvores a caírem de pé, com ribanceiras e muros a não serem capazes de aguentar a força da natureza, que nem sempre é meiga, dei comigo, passando para além de tudo isso, a ir até terras que, a partir de um dia qualquer, iniciaram um percurso comum connosco próprios: fui ter à Guiné-Bissau.
Ali, a atmosfera é, nestes momentos e desde há tempos infindos, um mar de problemas. Tudo parece desabar e não apenas uma árvore, uma parede, um telhado. De repente e uma vez mais, sente-se que, infelizmente, é todo um país a afundar-se, é todo um sonho a enterrar-se, é a nossa cultura, parte dela, a mostrar que também fracassou um pouco, porque não foi capaz de ajudar a criar o homem novo, nem deixou um legado que estivesse à altura de evitar que estas acções macabras algum dia pudessem continuar a repetir-se.
As mortes de Nino Vieira, Presidente da República de uma nação irmã, do Chefe das Forças Armadas do mesmo recanto, nas condições em que aconteceram e com a malvadez demonstrada, sobretudo, com a mais alta figura do estado da Guiné-Bissau, são uma das muitas vergonhas da nossa civilização, dita moderna.
Este é o mais triste de todos os invernos, por nos revelar que os homens, mesmo aqueles que connosco conviveram, não aprenderam elementares lições. Quando se nota, por actos, que se desce tão baixo, muito do que apregoámos veio a falhar redondamente. Perderam-se noções de reconhecimento das mais elementares regras de bom senso que pensávamos interiorizadas, sente-se, uma e outra vez, que, em África, por muito que nos custe assumir isto, se não fez tudo o que deveria ser feito, ou fomos maus pedagogos, maus exemplos, maus conselheiros e até maus irmãos, ou estamos a assistir, de novo, a um mundo tão hediondo, que nos faz interrogar tudo: afinal, valeu a pena por ali termos andado, ou nunca lá deveríamos ter ido?
Como quer que seja, naquele continente, noutro e noutro, está parte da nossa alma e, por isso, apetece-me desabafar: nunca pensei que, passados tantos anos, a morte, que sabemos ser um destino de todos nós, pudesse vir a ser encontrada de uma forma tão bárbara e tão cruel, pelo que é nosso dever dizer que os acontecimentos da Guíné nos entristecem, condenando-os de uma foram clara e sem tibiezas.
Não é esta a África que tenho, porque tenho, no coração.
Não é esta a cultura que abraço.
Não é esta a terra que defendemos como porta-estandarte daquilo que invadiu sempre a nossa alma: quisemos ajudar a conquistar a dignidade de todos os povos e o que se passou, ali, deixa muito a desejar.
Mesmo que não haja pão, nunca esta postura pode fazer caminho, pelo que é hora de a Guiné enveredar por outras vias, o que já tarda demais.

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